lunes, 21 de abril de 2014

libritoDOS

CAPÍTULO III
PRIMEIRA REFORMA DO SISTEMA EDUCACIONAL (1976-
2000): ORGANIZAÇÃO E ABRANGÊNCIA
Analisar a organização do sistema educacional (depois de 1975), o seu
desenvolvimento e abrangência constitui o ponto principal, no qual pretendemos nos
deter neste terceiro capítulo. Todavia, também é fundamental apresentarmos algumas
reflexões que nos permitam compreender as medidas educacionais tomadas e a
prioridade que estas tiveram, em termos de políticas públicas, nas decisões do Estado,
isto é, do investimento financeiro no setor educacional para atender ao desenvolvimento
cultural, econômico e político de Angola. Entre outras medidas tomadas destacam-se o
rompimento com a cultura colonialista, o desenvolvimento de um sistema educacional
voltado à valorização da cultura nacional, o desenvolvimento das ciências e técnicas
nacionais, o desenvolvimento da democracia política e da justiça social, a reforma
agrária, visando maior integração social e produtividade, o estabelecimento da unidade
nacional e africana (vide Anexo 3).
A organização do sistema educacional (1976) partiu da necessidade de
mudança do sistema de educação que Angola herdou do colonialismo português -
classificado como ineficiente, limitado e, em termos culturais, mais voltado ao domínio
cultural de Portugal. O sistema educacional português exaltava seus valores em
detrimento dos valores nativos de Angola. Averiguando os manuais usados nas escolas,
até a década de 1960 e finais de 70, ainda é possível notar a presença da ideologia de
domínio colonial.
E isso representou uma grande dificuldade no momento da
reorganização do sistema educacional (1976), pois os professores de que Angola
dispunha para a sua educação eram frutos da educação colonial. Outra grande
dificuldade provinha da falta de meios materiais suficientes para a produção de novos
manuais de ensino, material didático suficiente para o país, assim como de um programa
eficiente para a formação dos novos professores, que pudessem colocar em prática as
medidas traçadas com o objetivo de serem implementadas em Angola.
Nos anos anteriores à independência (1960-1974) Angola havia
travado uma luta pela defesa dos direitos de liberdade, autonomia política e
independência em relação às autoridades portuguesas que se encontravam, nesta fase,
sob o regime de Salazar (regime que procurou, a todo custo, injetar no país angolano a
guerra e o terror contra todo aquele que, de alguma forma, tentava desobedecer às
ordens portuguesas colonialistas).
Depois de 1975 além da dificuldade apontada, na área de educação,
outros problemas, já mencionados no primeiro capítulo, gerados pelo sistema político
anterior, também se fizeram presentes, tais como: o desacordo entre os movimentos
políticos de Angola (MPLA, UNITA e FNLA), em parte gerado por Portugal para
permitir o desequilíbrio entre estes movimentos e assim manter maior domínio sobre a
colônia; a disputa de outros países em defesa de seus próprios interesses econômicos
(exploração do petróleo, minérios, ferro, etc.), uns através de apoio ao movimento de
luta nacional, outros através de alianças feitas com Portugal; a falta de unidade entre os
dirigentes de movimentos nacionais e de compromisso com a paz em Angola.
As disputas políticas pelo poder, desencadeadas depois de 1975, entre
os movimentos, com o incentivo externo, permite-nos pensar que a preocupação da luta
estava centrada na ascensão ao poder político e no controle da economia, pois não
foram medidas as conseqüências dos meios utilizados para que tal ambição fosse
realizada. O compromisso e responsabilidade política com a paz, democracia e bem
estar social, sobretudo durante os anos de 1993 a 2002, foi relegado ao segundo plano,
justamente porque nenhum dos movimentos queria “abrir mão” de suas ambições
particulares, pelo diálogo, para pôr fim à guerra armada.
O sistema de guerra permitiu a destruição das poucas infra-estruturas
herdadas do governo colonial. Problemas de acesso limitado ao ensino básico, baixa
qualidade do ensino, não efetivação do projeto de ampliação dos espaços escolares, etc.
conquistaram maior espaço à medida que a guerra se proliferava no país, tomando conta
da vida da sociedade.
No período em que Angola era tratada como uma colônia (século
XIX), raramente os colonizadores mostravam-se preocupados com a formação ou
educação dos nativos, pois a preocupação principal do colonizador estava, certamente,
voltada para a exploração da força de trabalho e, para isso procurava, através dos
mecanismos de restrições e ampliação do trabalho forçado, impedir tentativas de
organização de ensino formal. Todavia, tal política não conseguiu impedir que a
educação não formal fizesse parte do quotidiano do povo angolano. A luta de resistência
aos valores do colonizador e a emancipação (independência) é um exemplo.
É no início do século XX que começam a aparecer os primeiros sinais
de preocupação, por parte do Governo Português, de regulamentar um ensino oficial,
diferente daquele que era dado por instituições religiosas, voltado especificamente para
os negros. Um estudo que trata do ensino em Angola (colônia), de Gastão Souza Dias,
na altura professor do Liceu da Huila (1934), mostra em seus gráficos, em termos de
freqüência, a situação das escolas primárias, por exemplo, nos distritos da Huíla e
Mossamedes, na matricula de 25 de dezembro de 1933: do total de 1.490 alunos
matrículados, 1.125 eram brancos africanos, 104 brancos europeus, 234 mestiços e 27
negros (Dias, 1934).
O chamado ensino rural para indígenas, que em Moçambique
funcionou desde 1930 com o nome de ensino rudimentar, foi criado em Angola pelo
“Diploma Legislativo n.o 518, de 16 de abril de 1927”, o qual reconhecia a necessidade
de o Estado português criar um sistema de ensino em Angola voltado aos negros. A
finalidade deste tipo de ensino seria “divulgar entre o gentio a língua portuguesa, bem
como criar entre as crianças indígenas hábitos de higiene, de compostura e de trabalho,
predispondo-as a receberem facilmente os benefícios da civilização” (Dias, 1934, p. 28).
Até 1933 funcionavam em Angola vinte (20) escolas rurais, nas quais
lecionavam professores indígenas e outros mestiços. Gastão S. Dias defendia a
necessidade de recrutar maior número de professores entre os indígenas da província
(Angola) e assegurar a formação destes professores através de uma escola, a ser
construída, de professores de ensino elementar destinada principalmente aos indígenas.
Todavia, esta idéia “se afigurava como errônea” (Dias, 1934, p. 28) para algumas
autoridades portuguesas, que não concordavam que se formassem “mestres negros” (ou
indígenas) para instruírem outros negros.
Funcionavam, até o ano de 1934, na colônia (Angola) “69 escolas
primárias com uma freqüência total, aproximada, de 4.500 alunos”, dos quais menos de
5% eram negros. Havia em toda “colônia três inspectores do ensino primário, cento e
nove professores e professoras diplomados, cinco professoras ajudantes e três
professoras do ensino infantil” (Dias 1934, p. 21). Foi regulamentado também, através
do “Decreto do Alto Comissariado, n.o 242, de 22 de fevereiro de 1922” (Dias, 1934, p.
24) o ensino profissional destinado aos indígenas. O decreto apontava este tipo de
ensino como uma “necessidade inadiável”. E de acordo com o art. 2 do mesmo decreto:

O objetivo das escolas-oficinas é prover ao aperfeiçoamento e moralização
dos hábitos e carácter das populações indígenas, disseminando o ensino de
profissões manuais, de educação moral e da língua portuguesa, como
necessárias e graduais etapas do seu progresso para uma civilização mais
perfeita (Dias, 1934, p. 24-25).

Os argumentos em relação a este tipo de ensino profissional destinado
aos indígenas são de que os benefícios que tais escolas poderiam fornecer são grandes e
importantes ao trabalho da colônia. Segundo o Gatão S. Dias (1934),

A transformação por elas operada sobre o gentio, roubando-o à inferioridade
da senzala, vestindo-o, fazendo dele um artífice meticuloso, incutindo-lhe,
pelo exemplo, hábitos de asseio, levando-o a preferir à cubata a casa
construída pelas suas próprias mãos, abrindo-lhe a inteligência pela
freqüência da escola, moralizando-o pelo sentimento da família, deve
constituir um dos motivos de orgulho da nossa acção civilizadora (Dias,
1934, p. 25).

E quanto aos professores que deveriam trabalhar nessas escolas-
oficinas o autor defendia o seguinte:

se em todos os gêneros de ensino a escola vale o que vale o seu professor,
neste caso o aforismo toma um significado muito particular; e por isso a
escola tem de ser aqui o único processo de recrutamento do professorado. O
professor das escolas-oficinas deve possuir especiais qualidades de
ponderação e de bondade, espírito de justiça e simpatia comunicativa,
virtudes que imediatamente gerarão na alma simples do negro um sentimento
de respeito e subordinação, sem o qual as escolas dificilmente poderão
progredir (Dias, 1934, p. 25).


As citações acima colocadas, de Gastão S. Dias, permitem-nos
entender o tipo de mentalidade desenvolvido em Angola através da educação, da qual
Angola herdaria seus professores assim como seus dirigentes, que também são frutos
desta educação colonial. O rompimento com a cultura portuguesa não se dá, num
primeiro momento, de uma maneira radical, uma vez que, na forma em que foi
organizado o novo sistema de ensino, a estrutura política e a organização administrativa
do país estão presentes elementos típicos da colonização: a subordinação, “centralidade”
do poder político, a discriminação não de “raças” (fruto de uma construção histórica de
domínio) mas sim de raízes (do assimilado espiritualmente em relação ao não-
assimilado), a permanência da visão humanista vertical tipicamente européia, na qual a
classificação se dá por ordem de valores em detrimento da visão humanista africana
horizontal40 formada pela diversidade cultural e lingüística.
Além desta situação apontada acima, há por outro que considerarmos
o desafio que o novo governo, agora angolano, haveria de enfrentar, isto é, criar a partir
de 1976 políticas concretas que pudessem permitir a correção dos altos índices de
analfabetismo apresentados pelo país41, ocasionados pela escassez do material básico de
ensino, falta de professores, pouca abrangência do sistema educacional, etc. Havia
também a necessidade de rever-se os conteúdos a serem ensinados e desenvolvidos no
país independente, rever a formação do quadro docente e erguer novas infra-estruturas
escolares.
Em vista desta situação foi elaborado o chamado Plano Nacional de
Ação para a Educação de Todos. A preocupação principal deste plano era apresentar
uma resposta ao problema da alfabetização de crianças e adultos, procurar, aos poucos,
aumentar os espaços escolares de ensino, desenvolver a formação e aperfeiçoamento
constante dos professores para permitir a expansão do ensino básico. Aprovado em
1977, o Plano Nacional de Ação para a Educação de Todos visava fundamentalmente
ampliar a oportunidade de acesso à educação fundamental - sobretudo aos primeiros
quatro anos de ensino (1a. a 4a. classe - gratuito).
Houve a cooperação de outros países, como Cuba, que enviava para
Angola professores e estagiários para lecionarem nas escolas, principalmente no ensino

__________________________________
40
Maiores detalhes da abordagem sobre o humanismo vertical europeu e o humanismo horizontal,
africano podem ser encontrados na obra de Du Bois, Willian Edward Burghardt. As almas da gente negra.
Traduzida por Heloisa T. Gomes. RJ, 1999. E também, de forma geral, tem considerável contribuição
neste debate a obra de Appiah, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. RJ, 1997.
41
Calculava-se em 85% o índice de analfabetismo no final da colonização portuguesa – 1975.



fundamental, médio e superior, devido à falta de professores angolanos suficientes para
atender a estes níveis de ensino, e também em cursos de formação de professores
angolanos. Segundo Teresa J. A. da Silva Neto, em sua tese de doutorado defendida em
2005 na Unicamp, “uma das peculiaridades técnicas desta cooperação se acentuava na
facilidade de adaptação do ensino ministrado por esses professores às condições sociais
de Angola, até adaptando e improvisando carteiras para que os professores não ficassem
sem aulas, por falta deste recurso material” (Silva Neto, 2005, p. 157). Porém não
podemos esquecer que a ligação ou cooperação com os professores cubanos devia-se,
também, a uma questão política e ideológica de países alinhados. Angola estava neste
momento sob sistema e governo de um partido que se auto-afirmava socialista e
defensor dos princípios desta política.
A defesa do socialismo, por parte do partido no poder, permitiu que
fosse possível uma aproximação com Cuba, União Soviética (URSS), Hungria,
Bulgária, países do antigo Leste Europeu e outros que se encontravam sob este regime
político, depois da segunda guerra mundial. É importante analisar o porquê da ligação
de “Angola” (MPLA) a estes países, da UNITA à África do Sul e aos EUA, e da FNLA
à China e ao Zaire (atual República Democrática do Congo - RDC) para perceber-se o
interesse que estava por detrás destas ajudas ou apoios dados aos movimentos políticos
angolanos. Não se tratava apenas de uma ajuda ao país recém independente, mas
também e, sobretudo, do alastramento estratégico e ideológico dos princípios
defendidos por cada uma das partes (do bloco socialista e capitalista), envolvidas na
guerra fria.
Angola tornara-se um espaço onde as lutas pelos interesses se
entrecruzavam, desde o interesse puramente econômico ao domínio do poder político. A
política que cada um dos movimentos empreendeu em Angola, depois da
independência, permite-nos compreender o quanto se diferenciava da ideologia do
socialismo (defendido pelo MPLA) ou da democracia ou ainda do capitalismo (pela
UNITA e FNLA), que esses movimentos diziam defender, uma vez que nada tinham de
“profundidade” política que pudesse identificá-los com estas ideologias.
Além dos professores cubanos que se deslocavam para Angola com
intuito de atuarem nos diversos níveis de ensino havia também a possibilidade de os
jovens angolanos se formarem no sistema educacional cubano. Estes iam, através das
bolsas de estudo cedidas pelo governo cubano, para as mais variadas áreas do
conhecimento, na ilha da Juventude de Cuba. Segundo Silva Neto (2005, p. 157)
“estima-se que Angola, em 1978, recebeu de Cuba 951 bolsas de estudos e 1200
crianças e adolescentes do primeiro grau (5a. e 6a. classes), foram estudar na Ilha da
Juventude, e este número se elevou para 4.800 crianças e adolescentes no ano seguinte”.
A atuação dos professores cubanos estava ligada, também, aos cursos de especialização
técnica de nível médio para operários angolanos.
A elaboração dos primeiros programas do sistema de ensino também
contou com a colaboração de profissionais cubanos, que atuavam como especialistas e
assessores do Ministério da Cultura. Eles tiveram atuação significativa na área de
formação de técnicos médios em saúde, além de áreas como artes, teatros, plásticas,
danças e outras formas de manifestação e desenvolvimento cultural. Além dos
professores formados, também iam para Angola cubanos estagiários, que atuavam no
ensino fundamental.
O plano nacional de educação, nos primeiros anos que se seguiram à
independência, procurou estimular as famílias a participarem nas atividades escolares
dos filhos, na luta pela redução do analfabetismo através da organização de salas de
aulas, não apenas nos espaços escolares, mas também nas fábricas, nos quartéis
militares, em cooperativas agrícolas e nos bairros para a alfabetização de adultos. Outro
desafio que se apresentava concerne ao fato de algumas línguas nativas não possuírem
escritas que possibilitassem a alfabetização. Esta situação levou o então governo a
aprovar em 09 de março de 1987 a resolução (publicada no Diário da República) que
regulamenta o ensino de línguas nacionais.
Segundo esta resolução, as línguas nacionais são o suporte e veículo
da continuidade cultural e exigem, portanto, um tratamento privilegiado por
constituírem elemento fundamental de identidade cultural angolana. Desta forma, a
título experimental, foram aprovadas para a alfabetização em línguas nacionais o
“Kikongo, Kibumbundo, Cokwé, Umbundu, Mbundu e Oxikwanyama e as respectivas
regras de transcrição” (Diário da República de Angola, 1987 p. 212. in: Silva Neto,
2005, p. 159).
Para assegurar a inserção e organização do alfabeto das línguas
nacionais criou-se em 1987 o chamado Instituto Nacional de Línguas, responsável pelos


_____________________________
42
Estudantes universitários que iam para Angola efetuarem o seu estágio durante um período limitado,
geralmente nas férias.







estudos lingüísticos. Este instituto era dirigido pelos técnicos e professores angolanos e
aqueles (não professores) mais velhos que tinham o conhecimento e domínio da língua.
Desde 1977 o governo procurou, teoricamente, tornar obrigatório o sistema de ensino
primário. Todavia, dada a situação de conflito, muitas das medidas traçadas (já
mencionadas no início deste capítulo) no plano teórico, não puderam sair do papel para
serem concretizadas.

1 - Implementação da reforma educacional


A necessidade de ampliar a educação se apresenta, já nos anos 50 e
60, não somente como preocupação de Angola, mas no mundo todo, como preocupação
geral, impulsionada pelo avanço da tecnologia. Massificar a educação como forma de
recuperação e estabilidade sóciopolítico e de desenvolvimento econômico era uma
questão emergencial. Em Angola ocorre, neste período, a organização mais efetiva dos
movimentos de luta pela independência nacional e a separação entre eles.
As idéias de mudanças em relação à educação respondiam assim a
esta emergente preocupação de concretizar, logo depois que o país tivesse alcançado sua
liberdade, a estabilidade econômica e política. Esta preocupação é expressa por um dos
documentos, do início dos anos setenta, chamado Programa maior do MPLA (vide
Anexo 3). Entre outras medidas traçadas, apresentamos aqui aquelas que estavam
vinculados ao “desenvolvimento da instrução, da cultura e da educação”. Estas visavam
fundamentalmente o seguinte:

• Liquidação da cultura e da educação colonialista e imperialista. Reforma do
ensino em vigor. Desenvolvimento da instrução, da cultura e da educação ao
serviço da liberdade e do progresso pacífico do povo angolano.
• Combate vigoroso e rápido do analfabetismo em todo o país.
• A instrução pública será da competência do Estado e estará sob a sua acção
directa.
• Tornar efectiva, progressivamente, a instrução primária obrigatória e
gratuita.
• Desenvolver o ensino secundário e o ensino técnico-profissional e criar o
ensino superior.
• Estabelecimento de relações culturais com países estrangeiros. Formação e
aperfeiçoamento dos quadros técnicos necessários à construção do país.
• Impulso e desenvolvimento das ciências, das técnicas, das letras e das artes.
• Instrução, no campo, de meios eficazes e suficientes para a assistência
médica e sanitária das populações camponesas. Desenvolvimento
equilibrado, à escala nacional, dos serviços de assistência médica e sanitária.
• Liquidação da prostituição e do alcoolismo.
• Estímulo e apoio às actividades progressistas da juventude.
• Fomento e protecção, em todo o país, da cultura física 43.


Depois da independência Angola apresentava uma taxa elevada de
analfabetismo, calculada nesta fase em 85% do total da população. Havia urgência em
se tomar medidas para a superação desta situação que, em termos gerais, não contribuía
para a solidificação de uma opção política e, muito menos, para a defesa de direitos que,
a nosso ver, requer determinado conhecimento formal para que possam ser defendidos.
Entendemos que o conhecimento e domínio da escrita, assim como das leis (direitos e
deveres pessoais e do Estado para com a sociedade) permitem ao cidadão, não só
reconhecer-se quando é bem ou injustamente governado, como também contribuir para
a melhoria da vida em sociedade.
A independência ou revolução se solidifica também com um povo
instruído, isto porque o agir político, econômico e até mesmo quando se trata de
defender direitos, exige espaços para reflexão e acesso a informação. Percebe-se então
que com um povo analfabeto as dificuldades são maiores. O desafio que se apresentava
consistia, acima de tudo, na luta contra o analfabetismo para poder consolidar uma
política que atendesse, pelo menos, às preocupações emergentes e fundamentais que o
país recém independente apresentava - questões administrativas e organizacionais. Fato
que não se verificou devido aos conflitos e antagonismos ideológicos que se foram
propagando entre os movimentos e ao não cumprimento das obrigações propostas em
acordos que visavam à formação do governo de transição. Havia também, por parte dos
movimentos, uma demasiada preocupação pela apropriação do poder em substituição do
poder colonial sem, no entanto, abrir espaços de debates e participação de outros
movimentos na administração pública do país.

__________________________________________________________________
43
Angola: Documentos do MPLA. Vol. 1, no. 2. Lisboa. ULMEIRO, 1977, p. 65-71.




Com o poder nas mãos, o MPLA, de orientação política “marxista-
leninista”, procurou organizar uma política educativa, aprovada em 1977 e
implementada em 78, como forma de responder às “necessidades do país” e à
consolidação da independência nacional. Esta política, como atestam os documentos e
discursos políticos da época, é caracterizada, essencialmente, pelos princípios de
igualdade de oportunidades, da gratuidade no acesso à escola e da continuidade de
estudos.
A substituição da política herdada do colonialismo português diante
do esfacelamento a que o país estava submetido pelas lutas entre movimentos e pela
instalação de um governo totalitário implicou em mudanças no currículo escolar,
sobretudo na formação de professores. Estas mudanças não se deram em função de uma
consolidação política (unidade nacional) entre os três partidos políticos, mas sim, da
supremacia de um em detrimento de outros.
É peculiar notar-se que dada a insuficiência do quadro docente em
atender a demanda, o ensino limitou-se, em muitos casos, ao ensino precário da língua
portuguesa e de outras disciplinas, mas sem o conhecimento ou domínio necessário, por
parte do professor, dos conteúdos de ensino. Neste período, as aulas eram ministradas,
em grande parte, por monitores escolares, que mais tarde passaram à categoria de
professores colaboradores e de professores propriamente ditos, mas com uma formação
muito baixa (quarta classe).
A implementação de uma reforma educacional, do ponto de vista
político, representava uma preocupação, pois se acreditava, como já reiteramos, que o
ensino é elemento fundamental e estratégico que possibilita mudanças. Além do
discurso que apontava para a necessidade de mudanças através da educação,
predominou também o desejo de manter politicamente uma estrutura ideológica de
domínio no país independente, o que requer distinguirmos os intentos da reforma
realizada dos aspectos ideológicos subjacentes para a compreensão das dificuldades
enfrentadas pela educação. Assim, pensar sobre o ensino representa não apenas uma
preocupação com o saber ler e escrever, mas sim, pensar numa questão maior, que
concerne ao entendimento do espaço sócio-político, econômico e cultural, das regras da
convivência social, da práxis política e suas relações em sociedade.


2 - Organização do sistema educacional

Em 1976 a organização do sistema educacional, além de representar
uma questão desafiadora para o novo país, no qual se pretendia edificar uma nova
cultura de paz e “liberdade”, envolvia também a questão de que a educação deveria ser
fundamentada nos valores culturais da sociedade angolana. Segundo Francisca do
Espírito Santo (2000, p. 156), o Sistema de Educação desenvolvido caracterizava-se,
basicamente, pelo aumento de oportunidades educativas, gratuidade do ensino de base
(primeira à quarta classe), obrigatoriedade de freqüentar o primeiro nível e o
aperfeiçoamento pedagógico do seu corpo docente.
A dificuldade que se apresentava era grande e, portanto, exigia dos
seus respectivos responsáveis uma adequada capacidade de tomada de medidas
objetivas que visassem permitir o rompimento com o anterior sistema. Desta forma,
pensava-se terminar com o sistema de educação anterior para implementar uma
educação que perspectivasse a “dignificação e unidade” do país. De acordo com o
Decreto no. 40/80 de 14 de maio, o sistema educacional em vigor desde 1978 constituía-
se em subsistemas que compreendiam as seguintes etapas: Educação pré-escolar; Ensino
Básico (de três níveis – o primeiro, da 1a. à 4a. classe; o segundo, da 5a. à 6a. classe; e o
terceiro, da 7a. à 8a. classe); Ensino Médio (dividido em técnico e normal); Ensino
Superior (bacharelado até o terceiro ano e a licenciatura até a quarto ou quinto ano,
dependendo do curso); ensino e alfabetização de adultos.





Tabela 4: Estrutura de ensino implementado em 1978

TABLA TABLA  TABLA  TABLA
TABLA TABLA TABLA  TABLA







Além da ordem normal em que estava estruturado o sistema de ensino
havia, paralelo a este, o ensino de adultos, voltado basicamente para a alfabetização e
ensino geral básico. Mediante o desenvolvimento, os adultos poderiam chegar à
formação profissional técnica.
De acordo com a lei constitucional, os princípios de obrigatoriedade e
gratuidade estavam restringidos à freqüência no primeiro nível de ensino de base.
Segundo Francisca do E. Santo, o “processo de massificação lançado com o novo
Sistema Educativo se inicia com o aumento significativo dos efectivos escolares que
chegam a atingir em 1980 a 1,8 milhões de alunos, numa progressão anual de 10%”
(Espírito Santo, 2000, p. 157). Esta situação de crescimento e da procura iria obrigar o
Estado a buscar uma nova estratégia política de investimento educacional para evitar
que muitas crianças permanecessem fora da escola. Porém, dada a fragilidade do
sistema político, o aumento do número de alunos não obteve, por parte do Estado, uma
resposta adequada, resultando em conseqüências como:

• Maior concentração do número de alunos por turmas;
• Pouca capacidade, por parte da escola, para albergar os alunos e
responder às suas necessidades;
•Elevado número de dificuldades no desenvolvimento do processo
educacional - condições materiais, estrutura física e gestão
pedagógica;
•Taxas de repetências muito altas e aumento do número de
desistência antes de atingir o segundo nível (quinta e sexta classes).
•Baixo nível acadêmico de seus professores, decorrente da falta de
programas de formação de professores, etc.44

Uma situação que nos parece complexa, e por isso urge ser apontada,
é o caráter ideológico e demagógico presente no discurso político. Apontava-se para a
igualdade e gratuidade no sistema de ensino como meta, todavia, esta meta foi
sacrificada em função da prioridade dada à guerra pelo poder. Guerra que obrigava
todos os jovens, sobretudo os do sexo masculino, a ingressarem nas fileiras da vida

________________________________________
44
Neste período, a que nos referimos, quem terminava o segundo nível (quinta ou sexta classe) já poderia
lecionar no primeiro nível (primeira à quarta classe).




militar para um “combate não compreendido”, levou à destruição das poucas infra-
estruturas escolares existentes e gerou a instabilidade política, social e econômica.
Como conciliar a ideologia de guerra (da defesa do poder) e a
efetivação dos princípios da gratuidade e obrigatoriedade de ensino se o elevado índice
de analfabetismo representava terreno propício para aqueles que pretendiam dominar
com maior facilidade possível e com isso garantirem sua permanência no poder? Que
educação foi pensada, de modo geral, para o país durante estes anos de guerra? Quais
resultados a educação apresenta hoje? É importante que estas questões sejam levantadas
para se pensar profundamente sobre o problema de ensino de Angola. Não queremos
com isso ignorar a “vontade” de melhoria manifestada por parte do Estado, em seu
discurso político, durante o período de guerra.
Para a materialização dos princípios de liberdade e gratuidade em
instituições escolares o país teria, necessariamente, que estar em paz e as pessoas em
liberdade, em termos de pensamento político e, sob esta base, efetivar-se uma educação
capaz de levar ao entendimento de questões políticas fundamentais à sociedade
angolana. Ao contrário disso, a preocupação de defesa do poder pelo poder, sem
investimento adequado no setor educacional e sem distribuição de renda para o ensino,
que tivesse em conta as diferenças regionais e culturais do país, parece-nos que falar de
igualdade e gratuidade não passou de uma proposta demagógica. Ou se enganaram
sobre o seu valor ou se iludiram face à precariedade das soluções tomadas para a
educação do país pós-colonial.
As conseqüências advindas da superficialidade das soluções não
tardaram em se fazer presente. Para responder a esta situação realizou-se em 1986 o
primeiro diagnóstico do sistema educacional, e a partir daí foram apontadas novas
linhas para a projeção de um novo sistema educativo, que resultou na elaboração do
documento denominado “Estudo Sectorial de Educação” (Espírito Santo, 2000, p. 157).
A organização e gestão do sistema de ensino apresentava-se de uma
forma centralizada. Suas estruturas estavam organizadas sob dependência vertical,
situação essa que limitava as iniciativas, por parte das províncias - das administrações
locais - para poderem desenvolver um sistema educacional adequado a cada província
__________________________________
45
Grande parte dos jovens capturados e obrigados a ingressar nas fileiras da vida militar, tanto na UNITA
como no MPLA e na FNLA, não tinha grande entendimento, isto é, não sabiam quais razões concretas os
levaria a combater contra outro angolano, uma vez que a independência tinha sido alcançada. A maior
parte destes jovens capturados era analfabeto.






ou região, dependendo da língua. Tal como o sistema político do governo e de seus
órgãos institucionais, a estrutura organizacional da educação previa, segundo Francisca
do E. Santo (2000), alguns órgãos

encarregados das responsabilidades administrativas e de gestão. Desde o
nível central estes órgãos dispõem de vários Directores Nacionais e Chefes
de departamentos sob a autoridade do Ministro ou do Vice-ministro,
incluindo os Delegados Provinciais, os quais têm sob sua responsabilidade as
delegações municipais e estas, as Coordenações Comunais e Direções de
Escolas (Espírito Santo, 2000, p. 159).

As províncias apresentavam diferenças lingüísticas (Umbundo,
Kimbundo, Kikongo, Chokwe, Nganguela, Nhaneka, etc.) que necessitavam ser
consideradas na nova estrutura educacional para com isso, atender às manifestações
culturais que como se sabe, variam de região para região e de uma língua para outra.
Existem elementos comuns, mas são em muitos aspectos diferentes e apresentam
estruturas e manifestações culturais centrais diferenciadas. Em suma, entendemos que é
importante ter-se em conta essas diferenças na formulação do sistema educacional,
como também, na organização do material didático para a alfabetização de crianças,
adolescentes e, sobretudo, de adultos que não conseguem comunicar-se em língua
portuguesa.



3 - Abrangência do sistema educacional
3.1. Educação pré-escolar e iniciação

A educação pré-escolar, conforme foi dito no ponto anterior, estava
subdividida em creche (de 1 a 3 anos de idade) e jardim de infância (de 4 a 5 anos de
idade). A iniciação era feita, normalmente, aos cinco ou seis anos de idade e, depois
desta fase, a criança começava a primeira classe do ensino básico normal.
A educação pré-escolar para crianças, apesar de constar no
organigrama46, (Tabela 4) não foi vista como uma preocupação vital do Estado, mas sim
da sociedade e mais concretamente das famílias. O que mais se proliferou até início dos
anos noventa foi a iniciação, mas, devido à falta de vagas ou escolas perto, muitas
crianças acabavam fazendo a iniciação aos seis ou sete anos. Por outro lado, a situação
de conflitos que se propagou pelo país inviabilizava quaisquer iniciativas de
organização de programas públicos de atendimento à crianças em idade para a pré-
escola. Primeiro, porque as atenções estavam voltadas ao investimento no material
militar, isto é, à potencialização das forças de defesa, segundo, porque o deslocamento
constante das famílias, em função desta guerra, impedia-as de reunir condições
necessários para as crianças freqüentarem a pré-escola.
A pouca atenção dada aos problemas sociais, durante os anos finais da
década de setenta até início de dois mil não se restringe apenas ao ensino. Alastra-se
também para as áreas da saúde, onde os índices de mortalidade infantil são
preocupantes. As crianças (menores de 14 anos), além de representarem,
aproximadamente 43% da população foram atingidas particularmente, também, pela
situação de guerra. Como mostram os dados de 1995, apresentados por Francisca do E.
Santo (2000, p. 159). “1,5 milhões de crianças estão afectadas física, psicológica e
emocionalmente; destas, 840 000 se encontram em condições particularmente difíceis.
500 000 crianças foram vítimas mortais da guerra”. Esta situação dificultou, não só, a
boa aprendizagem e desenvolvimento da criança, nesta fase inicial e decisiva para as
outras fases posteriores, como também no desenvolvimento físico e psicológico.
Estes dados permitem-nos perceber que, durante a guerra, as leis de
defesa ao menor, e as leis internacionais de defesa à infância não foram observadas,
mesmo que em algum momento se tenha aderido à carta internacional dos direitos
humanos e dos cuidados à infância. Além disso, nota-se também uma fraca
expressividade de movimentos populares que poderiam manifestar-se contra. E quando
se tentava fazer havia repressão do Estado em relação a estes movimentos
reivindicadores. A repressão acontecia, não só, como forma de impedir a organização
forte de movimentos e sua manifestação como também aos meios de comunicação que,
até então, suas informações passavam pela vistoria do Estado.

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46
Organograma, Brasil.


lém dos dados apontados por Francisca do E. Santo é importante
saber que não se tem, no momento, um dado exato de quantas crianças encontram-se em
situações desumanas, mesmo agora depois da guerra, pois a inacessibilidade em várias
regiões, devido a falta de estradas e pontes destruídas, impedem um cálculo mais
preciso do número de crianças que se encontram sem atendimento escolar, hospitalar e
alimentar (cuidados primários). E, de acordo com um estudo sobre a situação da vida
das crianças, realizado em Angola, (Documentos, 1998) apoiado pela UNICEF, do qual
participaram ONGs, ONU e outros membros de Angola ligados à saúde e educação e
outras áreas, sente-se uma grande ausência de estratégias que pudessem possibilitar a
criação de uma política pública de valorização da infância, que resultasse em melhorias
dos cuidados primários.
Segundo os dados do Ministério da Saúde apresentados no relatório
para o desenvolvimento do milênio em 2003, mais de 75 mil mortes são registradas
durante o ano entre crianças cuja faixa etária varia de zero aos cinco anos de idade. De
acordo com os dados do INE (Instituto Nacional de Estatísticas) e da UNICEF, em
1998, o número de crianças que morriam em cada 1.000 crianças nascidas era de 274,
acima de Moçambique (214) e Zâmbia (202) e um pouco melhor se comparado com o
Niger, que no mesmo ano de 1998 apresentava 320 casos de mortes para cada 1.000
crianças nascidas (In: Documentos, 1998, p. 36). Já os dados de 2002 a 2005
apresentam uma pequena melhoria se comparados aos dados de 1998, registrando 190,5
mortes em cada 1.000 crianças nascidas. Esses dados ainda são muito elevados se
comparados com países “mais ou menos desenvolvidos”, onde os índices de
mortalidade infantil são de menos de 30 para cada 1.000 crianças nascidas. Em Angola
têm sido apontado casos de diarréia aguda, infecções respiratórias agudas, além dos
casos de sarampo e malária, como os principais causadores do elevado índice de
mortalidade infantil. Contudo, não se questionava o papel ou contribuição do Estado na
tomada de medidas para pôr fim a esta situação, não se questionava a posição política,
econômica e sócio-educativa deste, diante da problemática situação que resultou da
guerra em defesa do poder, até 2002.
O Ministério da Saúde aponta a má nutrição, a fraca resposta à
questão de saúde materno-infantil, além do saneamento básico (tratamento e
distribuição da água potável), que é, também, responsabilidade do Estado, como fatores
que têm contribuído para as elevadas taxas de mortalidade infantil. Ora, importa
questionar as políticas de saúde do Estado, o atendimento aos profissionais de saúde
(qualificação profissional, condições econômicas e estrutura física dos hospitais), as
políticas públicas e programas integrados saúde/educação que poderiam estar voltados
ao atendimento das crianças dos 0 aos 5 anos de idade. Segundo o Relatório, que trata
dos objetivos de desenvolvimento do milênio (2003),

é difícil saber se Angola está seguindo ou não a evolução necessária para
atingir a meta de reduzir em dois terços a taxa de mortalidade dos menores de
5 anos para o ano 2015; durante a guerra muitas áreas de difícil acesso
ficaram sem controle do Governo. Com o fim da guerra e a subseqüente
abertura de novas áreas acessíveis, a maior notificação de casos
provavelmente produzirá uma outra visão (Relatório MDG/NEPAD, 2003, p.
48).



Tem havido iniciativas, por parte de instituições como a UNICEF,
UNESCO, ONGs e do Instituto Nacional da Criança, com o objetivo de contribuir para
melhoria e superação da situação apresentada pelo país. Porém, os financiamentos têm
sido insuficientes diante de uma situação que aumenta a cada dia, à medida que nas
áreas onde não se tinha acesso aparecem também casos novos de mortalidade infantil. A
estrutura social e educativa de centros infantis e creches existentes apresentava, no ano
de 2000, um acesso limitado, atendendo 1% apenas das crianças em idade pré-escolar
(Espírito Santo, 2000, p. 160). Isso não difere muito dos dados de 2005 (1,2%) devido
ao crescimento da população e à volta de todos aqueles que, durante a guerra, tinham-se
refugiado em países vizinhos, mais concretamente nas fronteiras da Zâmbia, Namíbia e
da República Democrática do Congo (antigo Zaire).
Como exemplo, pode-se verificar que, nos dados de freqüência dos
alunos na pré-escola (iniciação) de 1990 a 1998 (Tabela 5), apresentados por Conjimbi,
na semana da educação, ocorrida em Luanda no ano de 1999, houve uma diminuição
significativa devido aos conflitos militares. O número de crianças que freqüentavam a
escola no período de 1992 a 1993 sofreu uma redução quando comparado com o
intervalo de anos compreendido entre 1994 e 1998. A intensificação dos ataques
militares no país (entre a UNITA e o MPLA) teve uma repercussão grande na
diminuição do fluxo de crianças nas escolas. O elevado número de inscrições registrado
de 1990 a 1992 deve-se a um período de paz, em que se realizaram os acordos de cessar
fogo com vistas a preparar as primeiras eleições, que viriam acontecer em setembro de
1992.


Tabela 5: Freqüência dos alunos na iniciação (1990-1998)
Nível / Ano 1990/1 1991/2  1992/3  1993/4 1994/5 1995/6 1997/8
Iniciação 164.141 188.710 109.917 168.675 100.778 109.265 157.493
Fonte: Conjimbi, 2000, p. 173.


Desde o ano de 1992/3 a 1995/7 verificou-se uma diminuição
significativa de crianças no acesso à formação inicial, que constitui uma base
preparatória para poder ingressar nas classes seguintes (primeiro nível). É importante
salientar-se também que o atendimento a crianças na pré-escola, além de não
representar para o Estado uma preocupação fundamental, carece de material pedagógico
para o desenvolvimento lúdico, visual, motor, etc. e de especialistas - professores
qualificados - em educação pré-escolar.


3.2. Ensino básico (1a. a 8a. classe)

Subdivide-se em ensino regular, educação de adultos e ensino
especial. O ensino básico engloba o primeiro nível obrigatório (1a. a 4a. classe), dos 6
aos 9 anos de idades, o segundo nível (5a. e 6a. classes), dos 10 aos 11 anos, e o terceiro
nível (7a. e 8a. classes), dos 12 aos 13 anos de idade. Paralelo ao ensino de base, havia
também a formação profissional, dividida em dois ciclos: o primeiro ciclo da 5a. à 6a.
classe e o segundo ciclo da 7a. à 8a. classe. Esta formação estava destinada, sobretudo,
àqueles que pretendiam trabalhar como professores nas escolas de alfabetização,
primeiras e segundas classes do primeiro nível.
O principal objetivo que o ensino básico procurava atingir, segundo o
Ministério da Educação (2004, p. 19. vol. 5), era a “formação integral do cidadão,
através de uma série de conhecimentos gerais, preparando o jovem para a continuação
de sua formação a nível médio e superior ou permitindo a aquisição de habilidades e
saberes” necessários à convivência social e à sua inserção na vida ativa da sociedade.
Encontra-se ligada a este ensino básico uma classe preparatória
(iniciação) que visa, em termos gerais, adaptar a criança ao ambiente escolar, prepará-la
para maior interação com seus semelhantes e um melhor desempenho na primeira
classe. Diferente de outras classes, na iniciação não é obrigatório que as crianças
passem por uma avaliação que vise reprovar aqueles que possivelmente não venham a
adaptar-se devidamente ao ambiente escolar. Faz-se apenas o acompanhamento da
criança para que ela consiga reunir os requisitos a que esta classe se propõe - uma fase
de preparação para a primeira classe.
O desenvolvimento do ensino básico não segue o mesmo ritmo de
crescimento, em todas as províncias, dadas as diferenças administrativas, e o nível de
estabilidade política, social e econômica. Das dezoito províncias que Angola possui
pode-se constatar, fazendo uma divisão deste conjunto de províncias por três, (Tabela 7)
aquelas que apresentam maior índice de alfabetização e aquelas que apresentam menos.
Do total de crianças em idade escolar (ensino básico), que, em 1995, calculava-se em
3.218.860, o que correspondia a apenas 26,3% da população de Angola, verifica-se que
menos da metade destas estavam freqüentando o ensino básico.
De forma geral, segundo o Ministério da Educação, os dados de 1990
a 1998 mostram uma pequena melhoria na educação básica, passando de 45,5% para
55% o número de alunos que freqüentam as escolas em todo o país. Os dados de 2005
apontam para 63,4%. E mesmo assim se faz sentir o constrangimento que resulta do
analfabetismo, afetando significativamente o desenvolvimento nacional do país, pois o
número de crianças que se encontram fora da escola é ainda bastante significativo.

Os factores que podem explicar esta situação são o insuficiente número de
professores, o fraco investimento no ensino de base, a limitada prioridade
dada a este nível escolar, reflectida na distribuição das despesas do sector
[...], a baixa qualidade reflectida nos elevados níveis de repetência, e as
conseqüências da retracção da rede escolar por causa da guerra (Relatório de
Progresso MDG/NEPAD: Angola, 2003, p. 36).


Como se sabe o desenvolvimento da educação não é isolado das
restantes atividades produtivas do país. Sendo assim, parece-nos que é vital que se
estabeleça um equilíbrio entre o nível de vida econômica do país e a educação.
Educação sem investimento adequado47 não permite avanço tecnológico, pesquisas
inovadoras. E uma reforma da ordem do conteúdo e dos níveis, sem reestruturar o
sistema administrativo de ensino e o investimento, não é suficiente para obter-se um
crescimento e desenvolvimento cultural favorável.
Segundo o Ministério da Educação os dados - taxa bruta e líquida de
escolarização primária e taxa de sobrevivência escolar - que a educação apresenta não
são suficientes para atingir-se as perspectivas que o Estado pretende até o ano de 2015.
Para concretizar estas perspectivas pretende-se aumentar a infra-estrutura, o número de
vagas e matricular todas as crianças que estão fora do sistema escolar. O crescimento da
taxa de ensino primário atingiu 9,5% de 1990 a 1998. Ainda de acordo com o Ministério
da Educação, o investimento que está sendo feito no setor educacional (3,82%, 2006) e
na área de saúde (4,42%, 2006)48 ainda não tem sido suficiente diante das necessidades
sociais criadas pela guerra civil. O projeto de construção de escolas não está sendo
concretizado, sobretudo nas regiões mais afastadas das cidades. Continua havendo
dificuldade de acesso ao material escolar ou pedagógico (elevado custo) e formação
insuficiente de professores.
A Tabela 6, a seguir, mostra-nos a taxa de escolarização primária de
1990 e 1998, e nela pode-se notar que o número de permanência das crianças
matriculadas no início do ano letivo é inferior ao número de crianças que conseguiam
chegar à 5a. classe. Entre os fatores que influenciam o baixo número de alunos que
permanece matriculado destacam-se as deslocações das famílias e a questão do número
de vagas, que é inferior (nas classes mais avançadas) ao do primeiro nível (1a. à 4a.
classe). Isso leva muitos alunos, mesmo passando de ano, a ficarem na lista de espera
até que surja uma vaga, que se dá pela desistência de outros.
Contudo, comparando os dados de 1990 (19,8%) com os de 1998
(27,9%) percebe-se que o número de alunos que permanecem, em cada 100 alunos
inscritos na primeira classe, aumentou. Contribuiu para esta elevação o surgimento de
escolas particulares que, até 1990, não existiam no país devido ao sistema político, que
até então não permitia a existência de instituições de ensino particular.


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